terça-feira, 31 de março de 2009

Para os trabalhadores do teatro, militantes políticos e artistas

Recentes acontecimentos aqui em São Paulo me preocupam.


O imediatismo e a falta de criatividade e amor nos movimentos políticos é sempre um problema.

Mas não devia ser quando artistas se juntam para movimentar.


Recebi na semana passada um email que chamava para uma manifestação em frente a Funarte-SP, onde haveria também uma palhasseata. Apesar de não poder no horário marcado, fiquei com muita vontade de ir, lembrando das palhasseatas e saídas de palhaço que fazíamos no Rio de Janeiro. Na sexta, dia da manifestação, uma amiga ainda manda uma mensagem dizendo: “estou na frente da Funarte, ta rolando a manifestação, o Mamberti ta aqui, vem pra cá...”. Lamentei não poder ir. Chegando no ensaio sábado a tarde fico sabendo que na sexta-feira, depois da manifestação, os “trabalhadores do teatro” (como eles se denominam na carta que escreveram ao ministério da cultura) invadiram as dependências da Funarte em São Paulo, alegando por motivo a falta de diálogo com eles, ‘trabalhadores de grupos teatrais de São Paulo’ do Movimento 27 de Março (nome que deram a movimento de ocupação na sexta-feira).


Fico tentando entender o que os “obrigou a ocupar as dependências da Funarte” (como eles escreveram na carta)... Qual foi a motiva-ação para isso... O quanto eles procuraram e tentaram abrir o diálogo antes de tomar a decisão de invadir... Em como eles foram tratados para partirem direto pra alternativa mais radical e a que dificulta ainda mais o diálogo...


Será que esses ‘trabalhadores do teatro’ têm acompanhado a história recente da Funarte? Será que sabem o que foi a gestão desastrosa de Celso Frateschi para a Funarte, e como tem sido a proposta de gestão do recentemente empossado presidente Sérgio Mamberti? E de como ele foi recebido com alegria e alívio pelos servidores, e de como melhorou o clima, de um dia para o outro, nas dependências do prédio Gustavo Capanema no centro do Rio após a saída de Celso e de sua diretoria ditatorial e repressora?


Ah, a propósito, não sou nem nunca fui funcionário da Funarte, nem tenho parentes e ou pessoas próximas a mim que trabalham lá. Conheci a Funarte no exercício de ‘trabalhador do teatro’, e também como militante político, pelo Teatro Dulcina no Rio, no ano de 2008.


TEATRO


Falo disso porque não é difícil perceber que após um estupro será muito mais difícil convencer o estuprado que o que se quer é um diálogo amigável e uma aproximação carinhosa.


É preciso que se tenha tentado antes, de todas as formas, artísticas e burocráticas, amigáveis e provocadoras, para então, se nenhuma abertura de diálogo acontecer, partir para uma ação radical. Tantas são as formas de se fazer escutar. Ainda mais para artistas. E assim devia ser para os tais ‘trabalhadores do TEATRO’, que é arte, que é pela criação do novo e não pela repetição de padrões de uma sociedade capitalista onde sempre houve quem se vitimiza levantando o dedo para o opressor que escolheu para si.


Mas, afinal não são gente de TEATRO? Trabalhadores do TEATRO?

Cadê o TEATRO?

Na hora do espetáculo,

na hora de ser visto,

na hora de comunicar,

de lidar com o público no tempo presente,

na hora do encontro do TEAT(R)O,

não tem cria-ação?

Não tem jogo?

Não tem uma proposta de uma nova forma de mani-festa-ação poli-ética?

Cadê o cria-ativo na hora de fazer política?

Cadê o lúdico e o artístico? O telúrico e o social?

Porque na hora da militância política, mesmo sendo das artes, nos deixamos dominar pela lógica insensível, ignorante e radical dos movimentos sociais de massas inflamadas?

Não podemos esquecer que o melhor ponto de partida do teatro é o amor,

a troca com o outro pelo afeto e comunicação de sentimentos.

O olhar o outro.

E transformar o olhar. Sempre.

Mudar o ponto de vista.


LEI ROUANET


O problema não está na Lei Rouanet exatamente, que é mais uma ferramenta (assim como o são os editais feitos pela Funarte), está no estreitamento do olhar e, conseqüentemente, das possibilidades.


É preciso tomar cuidado, pois nem exclusivamente o governo com poder para decidir sobre como usar o FNC (Fundo Nacional de Cultura), mesmo dividindo-o em diversos programas setoriais, nem o marketing das empresas como único selecionador de projetos a serem patrocinados, fará com que o “dinheiro seja aplicado diretamente na cultura de forma pública e democrática”. Nem oito, nem oitenta.


Melhor se debruçar na problemática real embutida nesse formato que a lei propõe.

O problema está em associar uma obra de arte, que a priori não é um produto, ao departamento de marketing de uma empresa. E não só associar, mas dar a empresa o poder de decisão do que patrocinar com um dinheiro que na verdade é público, pois é do imposto que a empresa já entregaria aos cofres da União. Na Lei Rouanet o governo não entrega dinheiro nenhum às empresas, o dinheiro usado já sairia das empresas, mas ao invés de ir para os cofres federais via imposto de renda, vai para o projeto escolhido pelo diretor de marketing. Aí está o erro.


O que estou dizendo é que o importante é mudar o processo, prestar atenção na forma como se dá a coisa: ora, se o MinC já contempla com a Lei Rouanet centenas de projetos que, aos olhos dele, merecem ser patrocinados, basta pegar esse montante dos impostos que foi destinado para a cultura através da renúncia fiscal das empresas e distribuir entre os projetos que foram aprovados na lei. E as empresas, ao invés de decidirem pelo projeto x ou y, decidiriam por entrar no hall de empresas patrocinadoras da cultura brasileira, destinando uma parte, ou o total, de seu imposto para cultura de modo geral, sem poder decidir por este ou aquele projeto através de seu departamento de marketing, o que nos moldes atuais deixa carente as áreas com escasso apelo de mercado.


Mas na verdade essa é só uma idéia, que deixaria a decisão toda na mão do estado, que também não é o ideal... O que estou falando é que não é tão simples como dizer que na Lei Rouanet está todo o problema e que “nos recusamos compartilhar qualquer discussão” a respeito dela e pronto. Também é importante que a iniciativa privada tenha seus mecanismos de patrocinar cultura sem o dirigismo governamental, e não podemos negar a importância que a iniciativa privada têm tido nos últimos anos no setor cultural do país. A meu ver, além de gerenciar a sua própria verba para a cultura, também é papel do estado incentivar as empresas a investirem no setor cultural, mesmo que a lógica para a escolha seja a dos diretores de marketing da empresa. Afinal o setor das artes e cultura é também um mercado de trabalho, uma grande mercado de trabalho, onde se inserem também os “trabalhadores do teatro”. E queira ou não a Rouanet, “ao longo de 17 anos, carreou cerca de R$ 8 bilhões para o setor”, um dinheiro que iria para os cofres públicos e muito dificilmente seria usado para cultura se a lei não existisse (números tirado do editorial da folha de São Paulo de ontem, em artigo com visão muito esclarecida acerca da Lei Rouanet – o pessoal que invadiu a Funarte deveria ler). Afinal como se recusam a discutir uma coisa se o que estão querendo é abrir um diálogo? E a Lei Rouanet deve ser discutida. Todas as formas de injeção de verbas no setor cultural devem ser discutidas. Estatais e privadas. Até para que não se tornem instrumentos para a arbitrariedade estatal nem para exploração da arte e da cultura como objeto de consumo do setor privado.


Fica cada vez mais claro que, quanto mais formas distintas de patrocínios, mais alcançaremos as diferentes produções. Em seu texto em resposta ao Movimento 27 de Março, Um Artista diz: “Se queremos, de fato encontrar esta pluralidade no Ministério da Cultura é preciso lutar por uma pluralidade de mecanismos, que quanto mais forem, maior será a diversidade dos projetos patrocinados, ao limite de, com uma única Lei regulamentando a verba, haver uma infinidade de mecanismos, um para cada projeto específico. Que o mecanismo de apoio fosse tão sofisticado que se desdobrasse em muitos, em tantos mecanismos quantos forem os projetos.”


Concordo quando Um Artista diz que vocês “falam como criança mimada que não tem responsabilidade e só sabe fazer exigências, negando-se a olhar a sociedade como um todo, como produto daquilo que se é, e que se faz”, negando-se a perceber a pluralidade de olhares, indivíduos, e possibilidades no tratar uma questão comum a todos.


Vocês dizem de si: “Nós produzimos linguagens, alimentamos o imaginário e sonhos do que muitos chamam de povo ou nação; nós trabalhamos com o humano e a construção da humanidade”.


Me pergunto:

Que linguagem, que criação vocês estão produzindo invadindo um prédio público, ficando lá dentro dizendo que não são ouvidos, sem propor nada, sem trazer um novo olhar para esse tipo de ação? Que nova linguagem é essa? Que nova estética traz uma invasão nos moldes da revolução francesa, ou de maio de 68...?

Que sonhos vocês estão alimentando ao agir com uma atitude de umbigo mal trabalhado, na qual um seleto grupo se diz representar toda uma classe, mas que sequer procurou conhecer o panorama atual e a opinião das pessoas diferentes envolvidas na mesma situação?

Que humanidade estão construindo vocês, que, ao invés de produzir a comunicação e o diálogo com afeto e criatividade, buscam de cara o embate ofensivo a cobrança julgadora?

O que vocês conseguiram com isso? Abriram algum diálogo?


Pra mim isso não é teatro.

Se ainda tivesse servido pra abrir uma comunicação,

pra abrir discussão perante todos,

pra abrir uma ágora, no sentido grego da palavra mesmo, de arte e política...

Aí tinha valido algo.

Mas, sinceramente, duvido que tenha sido melhor que qualquer atua-ação artística que poderiam ter feito.



São Paulo, 31/04/09

Um individuo.

Mais Um Artista.


Acauã Sol

Movimento Dulcynelândia

www.movimentodulcynelandia.blogspot.com

Chega junto

dulcynelandia@gmail.com

Imagens de dentro do Teatro Regina-Dulcina


CONHEÇA O CANAL DULCY veja mais vídeos
http://canaldulcynelandia.blogspot.com/